segunda-feira, 27 de junho de 2011

A flor que não agradava o jarro.


  Naquela noite eu não tinha cabeça. Um corpo com um enfeite em vez de cabeça: era eu.  Sorria e me enganava. Sim, sorrir era um engano ali. Eu sorria para agradar e achava que isso podia me ser um agrado também. Sorria, sorriam de volta... Mas eu nem tinha cabeça, nem tinha mente! Ali não se importavam se eu era um enfeite, compondo o espaço, ou se eu era um pensante como eles que além de sorrir sabia falar.
  Todos conversavam, todos se adoravam e todos me viam como um daqueles jarros de flores. Flores são bonitas, jarros as vezes também são. Mas naquele lugar eles, assim como eu, estavam ali, apenas estavam. Jarros de flores não interagem, ficam parados esperando as flores fazerem o papel delas. Eu estava ali como um deles, aguardando a conversadeira acabar e cansada de observar e sorrir, que era o papel do enfeite em cima do meu corpo. 
  Eu sempre estive cansada de me enganar e não sabia, até por que eu não tinha cabeça, não havia como pensar nisso! Aquela sala, aquela mesa, aquela felicidade; eu não fazia parte de nada aquilo e nem tinha como me encontrar. Muitos dali nem me notavam, e os que notavam pareciam saber que eu não tinha cabeça. E por que eu não tinha cabeça? Ora! Ela era o lugar do enfeite que servia pra sorrir, lembra?
  Jarros não têm cabeças, a flor fica no lugar. Porém, a flor não é do jarro, nunca foi. Do mesmo modo, aquele enfeite não era meu. Eu sorria para agradar aos outros, aqueles poucos que me viam. Eu sorria para achar que podia agradar. Não era o meu sorriso! E nem minha cabeça estava ali.

3 comentários:

Samuel Cardim disse...

Que doce! Já estava com saudades de tudo isso Tamara, além do mais me agrada o fato de seu blog ser como uma casa, ele acolhe.
Beijão.

Rebeca Amaral disse...

Nossa, Tamara! Que reflexão bonita, que metáfora bonita! E muitas é exatamente isso o que acontece... Pelo menos eu também me vejo nessa situação. Planto qualquer coisa que agrade o mundo na ilusão de ter feito minha parte. Mas as flores murcham, não é? Assim como certos sorrisos..
O pior de tudo é que não tem saída pra esse tipo de farsa, não com tanta facilidade. Nessa bagunça toda, quem há de ser verdadeiro? Doces ilusões.

Flor, tava morrendo de saudades disso aqui! Tô voltando aos pouquinhos e me surpreendendo com tantas maravilhas literárias... Um beijo, linda.

Priscilla V. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.

Postar um comentário

Palavras bem-vindas...