quarta-feira, 23 de outubro de 2013

pedaço de pensamento de tempo do dia

    "Faz uns quatro bilhões e quinhentos milhões de anos, anos mais, anos menos, uma estrela anã cuspiu um planeta, que atualmente responde ao nome de Terra. 
    Faz uns quatro bilhões e duzentos milhões de anos, a primeira célula bebeu o caldo do mar, e gostou e se duplicou para ter alguém a quem oferecer. 
    Faz uns quatro milhões e um tanto de anos a mulher e o homem, quase macacos ainda, ergueram-se sobre suas patas e se abraçaram, e pela primeira vez sentira a alegria e o pânico de se verem, cara a cara, enquanto faziam aquilo. 
    Faz uns quatrocentos e cinquenta mil anos, a mulher e o homem esfregaram duas pedras e acenderam o primeiro fogo, que ajudou a lutar contra o medo e contra o frio. 
    Faz uns trezentos mil anos, a mulher e o homem se disseram as primeiras palavras, e acharam que poderiam se entender. 
    E assim estamos até hoje: querendo ser dois, mortos de medo, mortos de frio, buscando palavras."

Mapa do Tempo - Eduardo Galeano 
Do livro Bocas do Tempo


IN-FÂNCIA

Aproveitado o mês da criança e a deixa das pessoas colocando no perfil suas fotos infantis, vou falar aqui de uma angustia... 

Quando criança, me espantava muito a ideia de crescer, ver sangue todo mês, pagar contas, trabalhar, vestir roupas "de gente grande" e sair de salto e maquiagem. Me espantava até a ideia de "ter que" beijar na boca. Enfim, todo esse padrão social da vida adulta me causava medo e estranheza de tudo que tá na linha que nos separa da infância. (aquelas que foram criança junto comigo sabem do que to falando.) 

Não tem como eu falar disso aqui sem destacar questões de gênero e a influencia patriarcalista sustentada pelo Capital. É torturante para uma criança, que está a conhecer a vida, ter que saber como é que se tem que ser quando crescer! E crescer mulher é muito mais cruel, quando desde que você nasce tem um padrão de beleza e uma função social empurrado em você! O cor-de-rosa tem um peso grande, o azul também tem. Precisamos provar que somos femininas e meigas ou que somos grandes machões desde criança. Eu nunca entendia o porque a pró da escola não me deixava sentar na cadeirinha azul... Os coleguinhas já chamavam de "mulherzinha" (como sinônimo de inferioridade) aquele outro colega que chegava atrasado e tinha que sentar numa cadeira rosa que sobrou. 

Bom, esse é só o começo. Depois é plantada na gente a sementinha do "tem que se cuidar e ser uma mulher bonita" (e mais bonita que a outra), salto, cabelo, maquiagem, marido, precisa aprender a cozinhar bem também! Claro, ninguém nos mostra esse pacote pronto! Toda criança vai aprendendo observando o que o adulto faz e reproduz. Quando criança, aquilo que os adultos faziam me causava esse medo e eu fiz questão de fingir que não era comigo e jogar muito baleado nas ruas, correr muito, me sujar muito e inventar minhas próprias brincadeiras da minha cabeça (essa parte eu fiz até tarde). 

Ainda me dói a ideia do mundo adulto e eu me considero ainda em transição. Não sei bem o que é ser nova demais pra umas coisas e velha pra outras... Acho isso um paradoxo chato de se pensar. Mas ainda não me rendi a aceitar a "adultice" de uma vez e acho fantástico os momentos que posso me entregar pra ser mais criança. Claro que a gente amadurece, descobre novos sabores e desenvolve nosvos habitos naturalmente. Mas nem sempre isso precisa acontecer com um padrão ou com uma data certa pra começar! 

Ultimamente, ao observar a infância de hoje, há algo que me dói mais do que tudo aquilo de perverso que descubro sobre o patriarcado em meus estudos de gênero e feminismo a cada dia... É a atual não-infância (e que querendo ou não faz parte de tudo isso que descubro nos estudos). To falando dos tablets, computadores, salões de beleza precoce, salto alto cedo demais, namoros que não são mais aquelas brincadeirinhas saudáveis de cartinha pros coleguinhas de classe. Me dá muita angustia ver a ausência de criança numa criança... A ânsia de dizer logo que é adolescente, que até inventaram a modalidade "pré-adolescente"! Não me diga que é bonitinho dizer "como ela é mocinha e comportada" pra uma menina de 8 anos. Prefiro e acho mais bonito quando ela está exercendo sua criatividade e descoberta, livre e pulando! 

"Evolução do amadurecimento" é o caralho! A verdade é que o Capital sabe nos ensinar muito bem e criança aprende rápido. Cada vez mais cedo estamos entrando nas garras dele! 

 (Post de Facebook antes do dia das crianças. - repostando pra não perder o raciocínio)

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

novo e pequeno soluçar d'alma

Hoje mais cedo, li rapidamente alguma postagem de facebook que dizia algo parecido com "escrever é como desengasgar a alma". Não lembro mais da frase exata e acabo de procurar um tanto por quem postou, mas sem sucesso. Acontece é que mexeu com minha alma pro resto do dia, que de tão perturbada por tantas e tantas palavras acumuladas tentando sair duma vez, ela se fez por esquecer não só da frase, como do ponto de partida pra seu desengasgo... De todo modo, aqui estou eu fazendo o que ela cutucou pra fazer!
Mas, para começo de desengasgar qualquer, não posso escrever no NoutrOras sem olhar pra trás, sem olhar pros soluços doutros tempos por aqui. Na verdade não é a primeira vez que os leio e releio durante esse intervalo em que fiquei sem postar. Tenho um apego por esta página como nunca tive por folhas e cadernos que já rabisquei e sem dó rasguei até então. Acho que porque este foi de fato o espaço no qual eu cheguei mais perto de falar de mim para mim mesma com o diferencial de saber que alguém do outro lado poderia ler tranquilamente minha subjetividade. Em folhas de papel a alma as vezes desengasga voraz e sente até medo de ser descoberta. Ainda é assim! Durante esse tempo parei, voltei e parei novamente de escrever no papel. A escrita foi e é uma prática importante pra mim. O NoutrOras mesmo surgiu a mais de 3 anos atrás de um estalo de "vou criar um blog sem compromisso, vai que ajuda!" e está aqui até hoje me fazendo crescer quando o releio, lembro dos momentos, sinto vergonha, tenho saudades... Mesmo palavras que a alma soltou por aqui a tanto tempo, que nem fazem mais sentido, continuam em movimento no presente se reconstruindo ao que sou agora que as vou lendo novamente. Engraçado, serão sempre como soluços para o hoje, com significados diferentes/iguais.  E um soluço parece com isto mesmo... A ciência jamais deu conta de explicar ao certo, por que o que ele parece mais ser é um ensaio para algo sobrenatural engasgado querendo saltar!
Enfim, são por muitas razões e sentimentos que não me desapego daqui, mesmo deixando os novos pensamentos escritos por longe (e até mesmo por lugar nenhum). E é por esse "não-desapegar" que volto, timidamente, a desengasgar agora... Em três anos houveram muitas mudanças e talvez os sonhos sejam totalmente diferentes. Tenho até a suspeita que eu dei uma pausa no sonhadora. Na verdade, estive andando por caminhos bem intensos que eu não sonhava em percorrer a três anos atrás, mas que passaram a ser por si só construção de um sonho. Foram escolhas que mudaram e/ou mudarão meus rumos, e eu até costumo dizer que foram essas escolhas que me escolheram. Incrível é perceber como escolhas que parecem tão pequenas nos abrem bifurcações tão distintas, que bifurcam pra caminhos novos, onde outra escolha vai abrindo nova bifurcaçãozinha e vai, vai e vem vindo. Porém, meu último um/dois meses tem sido uma pausa entre bifurcações destas. É o que chamamos, na militância, de crise! Bom, acho que estou de fato "crisada" e preciso aproveitar disso pra me entender nessas grandes e pequenas bifurcações da vida que me trouxeram até esse momento. Sei que não é ruim olhar pra si, o auto-conhecimento é necessário pra estar mais forte pra seguir adiante, mas tenho fugido disso desde antes de "instaurar a crise" comigo e talvez ela só tenha acontecido por falta disto mesmo. Penso que por medo, outras vezes acho que foi por conta da ligeireza, ou que talvez foi por se fazer necessário abdicar-se de mim por um tempo pra me sentir mais nos outros.
Por demais agora, sinto que preciso me entender meio a esta pausa. É muito doloroso e contraditório abrir mão por algum tempo de seguir uma importante construção na qual mais uma bifurcação poderia estar me colocando. Mas é melhor que seja assim, pois sei que precisarei aprender a dar conta de bifurcações maiores e mais profundas lá na frente! Já começava a ficar difícil deixar de lado a subjetividade, que sempre foi algo muito forte em mim e que lutei aos pouquinhos para vencer. Amadureci e aprendi muito. Não me arrependo, mesmo tendo me consumido ao precisar, por vezes, de rompimentos abruptos para agir de forma mais racional. Logo eu, Peixes com ascendente em Peixes, tendo de largar tão rapidamente o sentimentalismo para agir com firmeza. Então, cheguei ao ponto em que o que parecia rígido começou a balançar, primeiro por dentro, depois eu já não estava conseguindo articular nada de forma racional quando o sentimento estava envolvido. Era a subjetividade retornando e dizendo pra mim que era hora de parar pra digerir. Ou parar para desengasgar com mais alma mesmo.

quarta-feira, 20 de março de 2013

continuidade

Tenho sentido saudades daqui. Voltei a escrever para mim, havia perdido um pouco o gosto. Mutante que sou. Mas nos últimos dias minhas mãos coçaram diversas vezes e minha cabeça treinava as palavras do que aqui dentro virou um turbilhão de sentimentos e pensamentos novos, reconfigurados, remexidos... Muito mudou, muito mudei. Alguns medos, porém, ainda continuam persistindo. E me lembro exatamente o porquê de ter começado a compartilhar meus pensamentos neste blog. Ainda é desafioso para mim desengasgar os sentimentos! Talvez eu ainda não tenha amadurecido muitas ideias de menina boba, que não deixei de ser e que nem quero. Mas os valores amadureceram, e muito, na caminhada que eu tenho trilhado. Me sinto cada vez mais plural, humanizada e responsável por cultivar meus princípios, os que despertei intensamente nos últimos tempos. Têm sido forte as minhas vivências... Principalmente nos últimos dias, os quais me encontro constantemente em reflexão profunda. Acredito que esse meu desafiar-se, muitas vezes a sós, ao mesmo tempo que me traz nostalgia acaba por me fortalecer. Tem sido duro, mas também é terno, e me desperto cada vez mais para um novo e para as mudanças. São as mudanças: destas sim eu nunca tive medo de encontrar! As mudanças de agora fazem parte de mim meio a um processo de construção e de também de desconstrução, as duas coisas juntas num modo contínuo de avanços. Ainda sou cheia de medos, contradições... Porém, muito porém, sinto-me em renovação a cada dia! Esta não tem sido nada fácil e nem preciso que seja... É para além de mim mesma.

(...)

Escrever, para mim, é ainda reconhecer-se e libertar-se.